A BARCA DO DIOGO
Nestes tempos de comemorações do aniversário de emancipação
político-administrativa do meu município, Soledade, que segue encrustrada no
planalto gaúcho, recordo da minha infância, na década de 1950, onde a “Vila”
era o rumo de todas as redondezas, sempre subindo... e de coxilha em coxilha
chegava-se ao alto de uma encantadora cidadezinha com suas casas de madeira,
baixas e compridas, que bordavam as ruas ainda poeirentas.
Essas paisagens rumo à cidade, enchiam de encantamento minha
alma infantil de menina da roça e chegar até a “Vila” era uma aventura sem
concorrência. Aliás, ir à cidade a bordo da “Barca do Diogo” era o máximo da
aventura!
Chamava-se Barca do Diogo, porque partia, ainda na madrugada,
de um local às margens do Rio Jacuí, onde operava uma pequena barca fazendo a
passagem de pessoas e veículos de um lado a outro do rio. Era a “Barca do
Diogo”.
Feliz e matreira, com minha melhor roupa, acompanhada dos
meus pais e irmãos, descíamos ao portão que se abria para o “corredor” e
esperávamos com ansiedade a passagem da “Barca”...
Mas era uma barca sem rio... Era uma barca que não navegava!
Explicando: tratava-se de um pequeno ônibus, que não consigo definir o ano de
fabricação. Talvez da década de 1940, já que nos encontrávamos na década de
1950 e o veículo não era nada novo. De formato arredondado, com um “focinho”
meio alongado, pintado de marrom e verde escuro, tinha uma escadinha atrás, que
terminava numa cerquinha em seu teto, onde eram acomodadas as bagagens.
A “Barca do Diogo” vinha às nove da manhã, às vezes chegava às
dez ou às onze... E como morávamos há poucos quilômetros da cidade, éramos
quase os últimos a embarcar... Era esse o termo que usávamos “embarcar”...
O problema é que ela já vinha lotada com os passageiros se
apertando ao máximo nos reduzidos lugares (talvez vinte ou trinta) e ocupando
todos os espaços disponíveis no corredor e ao lado do motorista. Muitas vezes
alguns homens desciam para dar lugar às mulheres e às crianças e subiam pela
escadinha misturando-se às malas, trouxas, sacos com milho verde, mandioca,
ovos, galinhas e até pequenos leitões. Chegávamos todos vivos, pessoas e
animais...
A volta se processava da mesma forma, agora todos carregados
de seus sonhos em forma de compras, víveres, tecidos, sapatos... Iam apinhando-se
enquanto havia lugares e, muitas vezes, o chiqueirinho das bagagens destinava-se
também aos homens com o vento “tapeando-lhes” os chapéus na testa.
Quando chovia, a desgraceira se instalava, molhava os
viventes fora e dentro do ônibus. Isso quando não atolava e requeria a ajuda
dos passageiros homens ou até de juntas de bois ou parelhas de cavalos...
Mas para o meu mundo infantil e tão restrito, a “Barca do
Diogo” era um meio de transporte de luxo e que nos levava aos encantamentos da
nossa pequena Soledade.
Maria Leda Lóss dos Santos
Soledade, 26 de março de 2013.