terça-feira, 30 de outubro de 2012

O LIVRO QUE MARCOU A MINHA VIDA

O LIVRO QUE MARCOU A MINHA VIDA
29 de outubro de 2012, DIA DO LIVRO

Ao longo da minha vida, muitos livros passaram por ela. Uns por paixão, outros por necessidade, outros por sofrimento...
Quando ingressei no 5o.ano primário, insisti para trocar de escola e fui estudar no novíssimo prédio e na recém- criada escola denominada Instituto Nossa Senhora Medianeira. Saía do distante bairro e chegava até à escola com um pouco de timidez, mas muito disposta a continuar sendo a aluna estudiosa e aplicada que sempre fora.
A professora, uma freira, era muito enérgica e competente. Logo no início das aulas ela pediu (acho que exigiu) que cada aluno levasse para a escola um livro de histórias. Eu nunca tive, nem nunca tivera até então um livro de histórias e não tinha coragem de pedir para meus pais comprarem um porque sabia das dificuldades financeiras pelas quais passávamos Não tinha também coragem para dizer à professora que eu não tinha o que levar...
Matutei, fiquei ansiosa, nervosa mesmo, mas lembrei que, no final do ano anterior, na antiga escola onde eu estudava, uma colega, minha vizinha, ganhara num sorteio um livrinho de histórias.
Armei-me então de coragem e preparei a melhor lábia para pedir o livro emprestado.
_É por poucos dias e eu já te devolvo, dizia. _ Eu preciso muito porque a professora quer que façamos um trabalho com ele.
Tanto argumentei que ela emprestou-me o livro.
Fui para a escola feliz, pois só eu ainda não havia levado o meu livrinho. A biblioteca estava formada, com as mais variadas obras... Mas eis que surge o meu desespero quando a professora disse:
_Esses livros formarão uma biblioteca e ficarão aqui o ano todo para que todos leiam todos os livros arrecadados.
Arregalei os olhos, emudeci de desespero, suava frio... Como eu faria para me justificar porque não devolveria o livro "em alguns dias"?  Não me encorajava de pedi-lo de volta, já que ter um livro na biblioteca da turma era "uma ordem”! Além disso, se eu não tivesse o meu livro não poderia ler os livros dos outros... E como eu iria perder essa riqueza? Fiquei com o "coração na boca".
Os dias foram passando e a angústia aumentando... A dona do livro começou a me cobrar a devolução. Eu inventava as desculpas mais esfarrapadas: um dia tinham perdido a chave do balcão onde estavam guardados; outro dia, a professora não estava na escola... Tanto enrolei que fui intimada:
_Devolva o livro ou me dê um livro novo, disse-me.
_"Tá booom"... semana que vem, se eu não devolver trago um livro novo...
 Ai, ai, ai, e passava semana e vinha outra semana e nada de livro, nem velho, nem novo... Até que as negociações viraram brigas , ameaças e acusações:
_ Tu és uma "ladrona de livro"!, acusava a minha agora ex-amiga...
E o ano foi passando carregado de angústia e de comiseração. Pobre de mim! Volta-e-meia, acusada de ladra!
Mas nesse meio tempo eu ia levando para casa os livros dos colegas e devorando leituras maravilhosas. Eu li "O Conde de Monte Cristo", "Os Três Mosqueteiros”, "Benhur", "A Dama das Camélias" tão ao gosto de uma adolescente de doze anos...
Minha mãe não suportava mais,  porque eu "não queria mais enxugar nem um prato, metida dia e noite naqueles livros"...
- É para fazer um trabalho da escola, mentia eu. E esta era mais uma pressão que eu tinha que enfrentar...
Finalmente chegou o fim do ano. Os livros foram devolvidos e eu com a cara mais encabulada do mundo fui entregar o livro à sua dona. Ficamos ainda algum tempo com a amizade estremecida, mas depois tudo voltou ao normal.
Nunca falei para ninguém sobre a angústia que passara e sobre a pressão que sofri.
Anos mais tarde, já adulta e formada no curso de Letras, fui fazer um curso de especialização em leitura e numa das práticas, a professora solicitou que contássemos algo sobre livros, algo que nos tivesse marcado. Resolvi contar a minha história e, para minha surpresa, em meio ao relato não contive as lágrimas e comecei a soluçar. Lembro-me do espanto dos meus colegas quando murmuravam:
_Ela está chorando!!
Só então me dei conta do quanto esse episódio me marcara, muito bem definido pela professora que disse:
_Como você deve ter sofrido!
E hoje eu digo:
-Sofri, mas valeu a pena!
Postado por ledaloss às 22:19