MARIINHA
Fui uma criança com pouquíssimos brinquedos. Uma cadeirinha vermelha e uma sombrinha de criança foram, ao longo da minha infância, complementadas por uma bruxa de pano com cabelo de pelego, confeccionada pela minha mãe e por bonecas loiras, ruivas e morenas colhidas a cada ano, na roça de milho “embonecando”. Ah! Às vezes encontrava pequenas abóboras-de-pescoço que se transformavam em bebês enrolados em trapos. Brincava de “casinha”, juntando pequenos cacos de louça e a alegria era grande quando encontrava caquinhos coloridos que iam se transformando em pratos, xícaras, panelas...
Foi próximo de um Natal que vim “na cidade” com a minha mãe e conheci a primeira boneca de verdade da minha vida. Íamos descendo a Avenida Marechal Floriano Peixoto e, em frente aonde hoje é o Banrisul, fiquei hipnotizada, contemplando tamanha lindeza. Numa casa grande e bonita, com pequenas moitas recortadas feitas de cercas-vivas, duas meninas iguais (eram gêmeas), brincavam no jardim e sentada sobre uma das moitas estava ela: uma loira boneca de louça, de olhos azuis.
Boquiaberta e paralisada, olhava embevecida a boneca das “Bibisas” (apelido das gêmeas), sem querer acompanhar minha mãe que continuava descendo a rua. Como era possível existir uma boneca tão linda?!... Apressei o passo para alcançar minha mãe e continuei a acompanhá-la emudecida e com um recôndito sonho: “Que bom seria se o Papai Noel me trouxesse uma boneca tão linda como aquela!” Nem ousava externar meus desejos.
Os dias se passaram e o Natal chegou. Na véspera, como sempre, deixamos nossos “ninhos” de Natal, feitos com barba-de-pau, na porta da nossa casa. No outro dia, corremos para ver o que Papai Noel havia deixado. Nosso ninho estava cheio de balas e bolachas pintadas com merengue e açúcar-de-cor. Escondi meu olhar de decepção e sorri para os singelos presentes.
No meio da manhã descemos, meu pai, minha mãe, meus irmãos e eu, pela estradinha que atravessava o mato para irmos almoçar na casa do meu avô. Ao chegarmos, meu tio veio nos encontrar, dizendo que o Papai Noel havia deixado presentes para mim e para meus irmãos.
Entrei na sala curiosa e foi aí que eu vi “Mariinha” sentada sobre a prateleira do rádio. Minha boca secou, meus olhos umedeceram e podia ouvir o bam...bam...bam... do meu coração pulando no peito.
Era uma pequena, mas lindinha boneca de louça, com vestido rendado e sapatinhos cor-de-rosa, de cabelos loiros e olhos azuis que ao balançar piscavam e batiam umas espessas pestanas.
A partir desse Natal, Mariinha foi a minha maior amiga e companheira. Acompanhava-me nas brincadeiras de “casinha” e “dormia” perto da minha cama.
Nossa amizade e afeto nos fizeram felizes até um dia, quando eu já era adolescente e meu irmão mais novo, ainda bebê, aproveitou um descuido meu e transformou Mariinha em cacos. Esses cacos simbolizaram, ao longo da minha vida, uma imensa saudade e a lembrança de um longínquo Natal muito...muito... muito feliz.
Maria Lêda Lóss dos Santos
Soledade, Natal de 2011